Dirigentes do Instituto Nacional de Tecnologia em Saúde (INTS), organização social investigada pela Polícia Federal (PF) por suspeita de desvios em contratos de verbas da saúde em Salvador, movimentaram pelo menos R$ 189 milhões de outubro de 2013 a setembro de 2020, de acordo com relatório da Operação Dia Zero ao qual a Metropolítica teve acesso. A soma se refere tanto ao fluxo de dinheiro que circulou em contas bancárias pessoais dos principais integrantes da diretoria do INTS quanto em nome de familiares, todos alvos de mandados de busca e apreensão cumpridos pela PF na última quinta-feira (12) em Salvador, Mata de São João, Itapetinga e na capital de Alagoas, Maceió. No documento, a investigação imputa apenas a diretores da entidade e a um servidor concursado da Secretaria Municipal de Saúde a responsabilidade pela montagem do esquema, sem mencionar o envolvimento de quaisquer integrantes do alto escalão da prefeitura da capital no caso.
Teia de corrupção
Segundo informações levantadas pelos investigadores, o superintendente-geral do INTS, Ian dos Anjos Cunha, movimentou aproximadamente R$ 40 milhões no período sob apuração da PF. Além do alto volume de dinheiro, ele foi apontado ainda como sócio de seis empresas ligadas aos desvios: IFC Sistemas, IE Tecnologia, Medkey System Brasil, Lead One Marketing Digital, Santo Verde e Cubo Consultoria. Tais pessoas jurídicas, destacou o relatório, recebiam repasses do INTS relativos aos contratos na área de saúde e transferiam parte dos valores para as contas de Cunha.
Homem de milhões
Considerado pela PF um dos principais articuladores do esquema e membro do quadro de diretores da instituição, Evertton Tavares Gomes Freitas realizou operações de crédito e débito em seu nome que totalizaram cerca de R$ 41,5 milhões em sete anos. Ao mesmo tempo, Freitas foi destinatário final de R$ 3,1 milhões repassados diretamente pelas empresas de Cunha durante o período em que vigorou os contratos sob investigação.
Passa e repassa
Já o superintendente de Relações Institucionais da organização social, Geraldo Andrade Filho, movimentou R$ 10,8 milhões. “Apurou-se, ainda, que Geraldo se utilizou da empresa Alvo Treinamento Profissional, constituída em seu nome, para receber valores de empresas que foram beneficiadas com recursos repassados pelo INTS”. Essas empresas, emendou a PF, compõem “o grupo criminoso investigado e transferiram R$ 2,65 milhões para a Alvo Treinamento, que por sua vez repassou R$ 1,36 milhão ao dirigente da entidade”.
Laços de família
“No que toca às operações de débito, destacou-se também que a maior parte das transferências realizadas por Geraldo Andrade Filho foram em favor de sua esposa, Samantha Diniz Andrade, para quem foi repassado o valor total de R$ 1.145.700,00, num período de três anos. Samantha também recebeu, a princípio, das empresas que teriam prestado serviço ao INTS o valor total R$ 2.036.644,55”, reforçou o relatório elaborado pelos investigadores da Operação Dia Zero.
Entre irmãos
Outro alvo do cerco contra o esquema, o superintendente de Planejamento do INTS, Allan Wailes de Holanda Cavalcanti, utilizou a irmã, Barbra Wailes Sá, para movimentar montantes expressivos. A quebra de sigilos bancários revelaram um fluxo financeiro de R$ 97,2 milhões em suas contas no período sob investigação. Embora receba salário de apenas R$ 3,3 mil como funcionária da prefeitura de Itapetinga, Barbra figura no quadro de sócios da Medical Solutions, uma das empresas utilizadas como intermediárias no esquema, repassando valores obtidos dos contratos e “emitindo notas fiscais para justificar os pagamentos sem que houvesse efetiva prestação de serviços”. Parte do valor, cerca de R$ 23 milhões, foi operado com dinheiro em espécie. O que, para a PF, é indício de pagamento de propina.
Dupla dinâmica
Mais dois dirigentes do INTS aparecem na lista de suspeitos de desviar verbas públicas da Saúde. Um deles é Emanoel Marcelino Barros, que foi presidente do instituto até setembro de 2021. No relatório da PF, Barros é descrito como membro do núcleo responsável pela coordenação geral do esquema. O segundo é o chefe da Diretoria de Contratos da entidade, Fábio Finamori Macedo, dono de uma empresa de consultoria beneficiada com repasses do INTS e de outros participantes da organização criminosa.
Poderoso chefão
As investigações realizadas em conjunto pela PF e a Controladoria-Geral da União – já que houve desvios de verbas federais transferidas para custear a rede municipal de saúde – identificaram como pivô um servidor concursado da prefeitura de Salvador. Trata-se de Ariovaldo Nonato Borges Júnior, técnico administrativo lotado no Núcleo de Tecnologia da Informação da SMS. Coube a ele direcionar o edital para que o INTS vencesse a licitação voltada à prestação de apoio tecnológico para o acesso da população a serviços de saúde do município.
Tudo nosso!
O relatório da Operação Dia Zero destacou ainda que Ariovaldo Júnior atuava diretamente na SMS “para facilitar as contratações fraudulentas, na elaboração de documentos e viabilização dos pagamentos indevidos”. E-mails reunidos a partir da quebra de sigilo telemático dos alvos da operação mostram que o grupo liderado por ele na secretaria trabalhava em conjunto na elaboração dos termos de referência e outros documentos necessários à contratação do INTS, mesmo antes de serem formalmente contratadas pelo instituto.
Sob encomenda
“A fraude licitatória sob investigação tem, possivelmente, o propósito de limitar a competitividade do certame, beneficiando diretamente o INTS, haja vista a inclusão, no edital de licitação, de exigências indevidas, como a necessidade de registros em conselhos profissionais sem qualquer pertinência com o objeto licitado, mesmo após alertas da Compel (Comissão Central Permanente de Licitação) e da Procuradoria-Geral do Município acerca da impertinência de fazê-lo; e a expedição de atestado de capacidade técnica ao INTS dois meses antes da publicação do edital”, acrescentou o relatório de investigação.
La Dolce Vita
Os suspeitos de participar da organização criminosa acusada de fraude a processos licitatórios, peculato, lavagem de dinheiro e corrupção ostentavam vida de luxo, conforme a PF, bancada supostamente com recursos ilícitos desviados dos contratos. Entre os endereços que sofreram busca e apreensão, estão imóveis localizados em dois condomínios de altíssimo padrão em Salvador: Morada dos Cardeais, no Campo Grande, e Porto Trapiche, na Avenida Contorno. Fontes com acesso à investigação confidenciaram à coluna que parte dos alvos da operação viajava com frequência a destinos cobiçados no exterior, sobretudo, Estados Unidos e países da Europa.
Manual da camuflagem
“A fim de dificultar o rastreamento dos valores, é provável que o grupo criminoso tenha empregado estratégias como saques em espécies, transferências para corretoras de câmbio, aplicações financeiras complexas, pagamentos de despesas pessoais e corporativas, constituição de empresas em setores variados e a conversão dos recursos desviados em patrimônio e bens de alto valor”, concluiu o relatório da PF.
Braço largo
O INTS, atualmente presidido pelo empresário José Urpia, não é frequentador novo no noticiário sobre irregularidades com o uso de verbas públicas. O instituto, que mantém ainda contratos com governo da Bahia e com cidades do interior de Minas Gerais e municípios paulistas, incluindo São Paulo, foi recentemente alvo de denúncias da prefeitura de Aracaju por conta de ilegalidades na gestão da Maternidade Lourdes Nogueira, única da capital sergipana sob responsabilidade do município. Entre as quais, contratação de empresas terceirizadas ao arrepio da lei e repasses sem a comprovação de que os serviços foram prestados de fato, problemas semelhantes aos investigados pela Operação Dia Zero. Os indícios levaram a nova prefeita de Aracaju, Emília Correa (PL), a pedir auditoria sobre o contrato com o INTS logo após tomar posse do cargo. Os resultados preliminares coincidiram com a rescisão do acordo em 2 de abril.
Recordar é viver
Em 2020, o contrato firmado entre o instituto e o governo baiano para gestão do Hospital de Campanha montado no antigo Espanhol para atender vítimas da covid-19 entrou no radar do Ministério Público Estadual e Federal por suspeitas de irregularidades. Em especial, sobrepreço de quase meio milhão de reais. À época, os dois órgão ajuizaram em conjunto uma ação civil pública na qual solicitavam a não prorrogação do contrato. O INTS, entretanto, só deixou o controle da unidade em 2023, quando foi substituído pela Fundação ABM de Pesquisa e Extensão na Área da Saúde (Fabamed).