Wimbledon encerra tradição de 147 anos e troca juiz de linha por tecnologia

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Os espectadores do torneio de Wimbledon, o mais tradicional do tênis, se acostumaram a ver, todos os anos, o ritual da “troca da guarda real” no início de cada partida: a entrada de mulheres e homens de blazer azul-marinho e saia ou calça cor de creme, portando uma indefectível gravata listrada em verde e roxo -as cores oficiais do clube que abriga o evento. Eram os juízes de linha, nove por jogo, responsáveis, entre outras coisas, por gritar “out!” quando a bola pingava fora da quadra. Este ano marcará o final de uma tradição de 147 anos. Os juízes de linha -cujo uniforme nos últimos anos levava a assinatura da grife Ralph Lauren- serão substituídos por inteligência artificial.
Ao abolir essa função, Wimbledon segue o exemplo de outros torneios da série Grand Slam, como os abertos da Austrália e dos Estados Unidos. Os elegantes árbitros serão substituídos por 12 câmeras fabricadas pela multinacional japonesa Sony. “A nova tecnologia, baseada em visão computacional, reconstrói a trajetória da bola em 3D com precisão superior à percepção humana”, diz Rodrigo Tavares, catedrático na Nova SBE, a faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa.
Tavares está criando um novo curso sobre impactos da inteligência artificial em várias dimensões da vida humana.
A função do juiz de cadeira, que fica numa posição mais elevada com uma visão geral de todo o jogo, continuará a existir em Wimbledon, a exemplo do que ocorre na Austrália e nos Estados Unidos. “Há uma transformação profunda e não uma diminuição da autoridade do árbitro. Aliás, como estamos a assistir em tantas outras profissões”, afirma Lénia Mestrinho, diretora-executiva do Digital Data Design Institute, centro de estudos sobre tecnologia criado pela mesma Nova SBE em parceria com a universidade americana Harvard.
Como seria essa transformação? “Em vez do árbitro tradicional surge o árbitro-analista: alguém que interpreta dados em tempo real, gere a informação tecnológica no contexto do jogo e mantém a dimensão humana da decisão -algo que, para a IA, é mais difícil de replicar. A leitura do ambiente emocional, a gestão da tensão entre jogadores ou a aplicação contextual das regras são exemplos de áreas onde o julgamento humano continua essencial”, afirma Mestrinho. “A função do árbitro evolui de ‘olhar e decidir’ para ‘interpretar dados e validar’. A IA trará mais justiça, mas a sabedoria na aplicação das regras continuará sendo um atributo humano”, diz Tavares.
COMO FUNCIONA O JUIZ DE LINHA DIGITAL
**Função:**
– Dizer se a bola foi dentro ou fora
– Definir se atleta pisou na linha
**Tecnologia:**
– 12 câmeras rastreiam todo movimento da bola
– Definem a posição dos pés dos jogadores
– Recriam cada jogada em 3D
O tênis, assim, caminha lado a lado com o futebol, onde já se popularizou o uso do VAR, sigla de “video assistant referee”, ou vídeo-árbitro. Essa tecnologia enfrenta críticas dos torcedores por atrapalhar o andamento dos jogos. Muitas vezes o torcedor tem que esperar longos minutos até comemorar um gol, mesmo depois de ver seu time balançar as redes. Uma nova tecnologia baseada na inteligência artificial, no entanto, já vem reduzindo essa demora, notadamente na hora de marcar impedimentos.
“A nova tecnologia de fora de jogo utiliza 12 câmeras especializadas instaladas no estádio, capazes de rastrear a bola e 29 pontos do corpo de cada jogador, recolhidos 50 vezes por segundo”, explica Mestrinho. “A isto junta-se um sensor colocado no interior da bola oficial, que envia dados 500 vezes por segundo, permitindo identificar com grande precisão o momento exato do passe. Todo processo decorre em segundos.”
Para Rodrigo Tavares, a interferência da inteligência artificial no esporte irá muito além de ajudar os árbitros a tomar melhores decisões. O técnico português José Mourinho conquistou vários títulos Europa afora sendo o precursor no uso de dados para a elaboração de esquemas táticos. “Eram, no entanto, dados avulsos”, diz Tavares. “Os novos algoritmos conseguem identificar e prever padrões coletivos de comportamento das equipes durante a partida. Eles vão muito além das métricas tradicionais, como posse de bola e número de passes, e tentam compreender a lógica subjacente às movimentações em campo.”
Lénia Mestrinho mostra como isso funciona na prática. “Clubes como o Manchester City ou o Benfica já utilizam sistemas baseados em IA para antecipar o posicionamento mais provável dos adversários em determinadas fases do jogo, permitindo otimizar a ocupação de espaços e criar superioridade numérica”, afirma Mestrinho. “Em momentos-chave, como bolas paradas, a IA sugere sequências de movimento com maior probabilidade de sucesso, com base em milhares de situações semelhantes analisadas em segundos.”
A discussão sobre se a tecnologia tornará os esportes mais emocionantes ou mais previsíveis ainda está em aberto. Ao menos no caso das arbitragens as mudanças parecem ser positivas. “Esse maior grau de objetividade e rastreabilidade pode, em última instância, contribuir para mitigar o risco de comportamentos indevidos ou suspeitas de favorecimento, ajudando a proteger a integridade do jogo e a credibilidade das instituições que o regulam”, diz Mestrinho.
O único aspecto negativo parece ser o mesmo que afetará várias outras profissões onde se passou a usar a inteligência artificial: toda uma categoria -os juízes de linha do tênis- verá seus empregos sumirem aos poucos.

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