Ao frisar que a pandemia de coronavírus não é uma “gripezinha”, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, apresentou cenários possíveis para a doença no Brasil e advertiu o presidente Jair Bolsonaro e outros ministros durante reunião tensa neste sábado, 28, que, se morrerem mil pessoas, será o correspondente à queda de quatro Boeings. Depois, perguntou: “Estamos preparados para o pior cenário, com caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas? Com transmissão ao vivo pela internet?”
Conforme o Estado apurou, Mandetta fez um apelo para o presidente criar “um ambiente favorável” para um pacto entre União, Estados, municípios e setor privado para todos agirem em conjunto, unificar as regras e medidas e seguir sempre critérios científicos. Sugeriu, inclusive, a criação de uma central de equipamentos e pessoal, para possibilitar o remanejamento de leitos, respiradores e até médicos e enfermeiros de um Estado a outro, rapidamente, dependendo da demanda.
O ministro também pediu ao presidente para não menosprezar a gravidade da situação nas suas manifestações públicas e, por exemplo, não insistir em ir a um metrô ou um ônibus em São Paulo, como chegou a aventar em entrevista coletiva. Mandetta deixou claro que, se o presidente fizesse isso, seria obrigado a criticá-lo. E Bolsonaro rebateu que, nesse caso, iria demiti-lo.
Ainda conforme fontes informaram ao Estado, Mandetta também disse que ele e sua equipe não vão pedir demissão no meio da crise, mas estão prontos a sair depois dela se for o caso. Ele, inclusive, se colocou à disposição para assumir a função de “bode expiatório”, em caso de fracasso, e se comprometeu a não capitalizar politicamente, em caso de sucesso. Disse que não tem ambições políticas nem reivindica nenhuma posição de destaque.
Apesar desses momentos mais tensos, ministros presentes consideraram que o resultado foi bom e que a reunião serviu como um “freio de arrumação”, até porque, de outro lado, todos, inclusive o próprio Mandetta, concordaram com a preocupação de Bolsonaro em preservar ao máximo a economia, o funcionamento dos transportes e da infraestrutura em geral.
Estavam presentes, além de Bolsonaro e Mandetta, os ministros Fernando Azevedo (Defesa), Sergio Moro (Justiça), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria do Governo), Braga Neto (Casa Civil), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e André Mendonça (AGU) e Antonio Barra Torres (Anvisa). Um dos temas foi justamente o risco de uma enxurrada de ações na Justiça, com Estados, municípios e União questionando medidas uns dos outros. Esse, inclusive, foi tema da primeira reunião do sábado de Bolsonaro, que foi com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes.
Carreatas
Os que viram a entrevista coletiva de Mandetta com sua equipe, após a reunião com o presidente, disseram que, apesar de mais sutil, ou subliminar, ele basicamente repetiu o que disse no Palácio da Alvorada. Em ambas, defendeu a uniformização das medidas de isolamento, disse que alguns setores realmente precisam funcionar e que o vírus não apenas mata pessoas como afeta todo o sistema de um País. Além disso, deu um freio na versão de que a hidroxicloroquina é uma “panaceia” e vai curar a doença a curto prazo.
Na coletiva, o ministro criticou as carreatas pela reabertura do comércio. Os atos foram defendidos por Bolsonaro, que chegou a compartilhar vídeos nas redes sociais. “Fazer movimento assimétrico de efeito manada… Daqui a duas semanas, três semanas, os que falam ‘vamos fazer carreata’, vão ser os mesmos que ficarão em casa. Não é hora”, disse Mandetta.
Na reunião de presidentes e primeiros-ministros do G-20 na quinta-feira, Bolsonaro falou com entusiasmo do uso do medicamento no combate ao coronavírus e dos prazos para a conclusão das pesquisas, mas Mandetta é bem mais cauteloso. “Estamos na pista, mas os estudos são muito incipientes”, disse o ministro.
Aliados de Mandetta no DEM e seus assessores na Saúde garantem que ele não será desleal, não pede demissão e sempre repete que não abandonará o barco em meio à tempestade, ou seja, quando a pandemia começa a entrar na sua fase mais crítica. Ontem, os mortos já chegaram a 114. Nesse momento, seu esforço é para ajustar o tom com o presidente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, governadores e prefeitos.