Nas semanas e meses anteriores ao desempenho politicamente desastroso do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, no palco do debate em Atlanta, vários ex e atuais funcionários e outras pessoas que o encontraram a portas fechadas notaram que ele parecia cada vez mais confuso ou apático, ou que perdia o fio das conversas.
Como muitas pessoas de sua idade, Biden, 81, há muito tempo vive situações em que ele embaralha uma frase, esquece um nome ou mistura alguns fatos, embora pudesse ser lúcido e engajado na maior parte do tempo. Mas em entrevistas, pessoas que estiveram com ele recentemente disseram que os lapsos pareciam estar se tornando mais frequentes, mais pronunciados e mais preocupantes.
Os momentos desconfortáveis não eram previsíveis, mas pareciam mais prováveis quando ele estava em algum lugar lotado ou cansado após uma agenda particularmente desgastante. Nos 23 dias que antecederam o debate contra o ex-presidente Donald Trump, Biden voou duas vezes sobre o Oceano Atlântico para reuniões com líderes estrangeiros e depois voou da Itália para a Califórnia para uma festa de arrecadação de fundos extravagante, mantendo um ritmo exaustivo que esgotou até mesmo assessores muito mais jovens.
Recentemente, Biden culpou a fadiga por sua performance no debate. “Eu não fui muito inteligente”, disse. “Decidi viajar ao redor do mundo algumas vezes, não sei quantos fusos horários.” Ele acrescentou: “Não ouvi meus assessores, fui lá e adormeci no palco.”
Os recentes momentos de desorientação geraram preocupação entre assessores e aliados. Ele parecia confuso em alguns momentos durante uma cerimônia de aniversário do Dia D na França em 6 de junho. No dia seguinte, ele errou o propósito de uma nova parcela de ajuda militar para a Ucrânia ao se encontrar com o presidente Volodmir Zelenski.
Em 10 de junho, ele pareceu congelar em uma celebração antecipada do feriado de Juneteenth. Em 18 de junho, seu tom de voz suave e sua breve dificuldade para lembrar o nome de seu secretário de Segurança Interna em um evento de imigração deixou alguns de seus aliados no evento nervosos, que trocaram olhares alarmados e mais tarde se descreveram como “abalados”, como um deles disse. Biden se recuperou e se lembrou do nome do secretário, Alejandro Mayorkas.
Certamente ele não é assim o tempo todo. Nos dias desde o desastre do debate, assessores e outras pessoas que o encontraram, incluindo autoridades estrangeiras, o descreveram como estando em boa forma —alerta, coerente e capaz, envolvido em discussões complicadas e importantes e gerenciando crises voláteis. Eles citaram exemplo após exemplo em casos em que questões críticas de segurança nacional estavam em jogo.
Assessores presentes com ele na noite em que o Irã lançou uma série de mísseis e drones contra Israel retrataram um presidente forte, repreendendo o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu por telefone para evitar uma escalada retaliatória que incendiaria o Oriente Médio. “Deixe-me ser perfeitamente claro”, disse Biden. “Se você lançar um grande ataque contra o Irã, você está por conta própria”.
Netanyahu resistiu com firmeza, citando a necessidade de responder da mesma forma para deter futuros ataques. “Se você fizer isso”, disse Biden com firmeza, “eu estou fora.” No final, os assessores observaram, Netanyahu reduziu sua resposta militar.
Autoridades da Casa Branca disseram que o presidente está em excelente forma e que sua performance no debate, embora decepcionante, foi uma exceção. Elizabeth Sherwood-Randall, conselheira de Segurança Interna do presidente, relatou um briefing sobre terrorismo para Biden em 17 de junho, no qual ele “digeriu uma quantidade imensa de informações” e fez perguntas “profundas e perspicazes”. Ela reconheceu que o desempenho de Biden em debates foi diferente. “Isso não reflete a experiência que tenho com ele diariamente”, disse ela.
Mas, de acordo com muitos relatos, evidências de imagens de vídeo, observações e entrevistas, Biden não é o mesmo que era quando assumiu o cargo há 3 anos e meio. A Casa Branca divulga com frequência transcrições corrigidas de seus discursos, nos quais ele confunde lugares, pessoas ou datas.
O debate da semana passada levou alguns ao seu redor a expressar preocupação de que o declínio tenha se acelerado ultimamente. Vários conselheiros e atuais e ex-funcionários da administração que veem Biden regularmente, mas não todos os dias ou semanas, disseram que ficaram chocados com seu desempenho no debate, pois foi o pior que já viram.
Trump, 78, também mostrou sinais de declínio ao longo dos anos desde que foi eleito pela primeira vez para a Casa Branca. Ele frequentemente confunde nomes e detalhes e faz declarações incoerentes. Ele mantém uma agenda pública mais leve do que Biden, não se exercita e aparentemente adormeceu repetidamente durante seu recente julgamento em Nova York. Os eleitores também expressaram preocupação com sua idade, mas não na mesma medida que com Biden.
Nas ocasiões em que Biden escolheu falar com repórteres de forma improvisada, nem sempre correu bem. Em fevereiro, ele reagiu com raiva a um relatório sobre seu manuseio de documentos confidenciais, no qual o conselheiro especial Robert K. Hur caracterizou o presidente como um “homem idoso bem-intencionado com uma memória ruim”.
O presidente, furioso, se defendeu para os repórteres, mas se referiu ao presidente Abdel Fattah el-Sissi do Egito como o “presidente do México” no processo. Na segunda-feira (1º), os republicanos da Câmara processaram a administração Biden na tentativa de obter áudios das entrevistas de Biden com Hur.
Mas aqueles 23 dias antes de Biden encontrar Trump no palco em Atlanta podem vir a ser vistos pelos historiadores como as três semanas mais críticas de um mandato presidencial momentoso, já que o presidente enfrentou um oponente que ele não apenas detestava, mas via como uma ameaça existencial à democracia americana. Seriam os pensamentos vagos e inconclusivos transmitidos ao vivo para mais de 50 milhões de telespectadores apenas uma noite ruim, um produto do mês exaustivo, ou algo maior? Se ele não estivesse cruzando o globo com tanta frequência, teria feito diferença?
As viagens de Biden à Europa foram marcadas por momentos de clareza em reuniões importantes —incluindo uma sessão complexa sobre desviar renda de ativos russos para ajudar a Ucrânia— misturados com ocasionais confusões de olhar vazio, de acordo com pessoas que se encontraram com ele. Em alguns momentos, ele parecia estar perfeitamente no controle, em outros, um pouco perdido.
Houve um momento constrangedor quando o presidente da França, Emmanuel Macron, se certificou de que o presidente descesse com segurança a rampa, depois voltou para cima para cumprimentar todos os veteranos. Esperava-se que Biden ficasse para os cumprimentos.
Durante uma reunião no dia seguinte com o presidente Zelenski da Ucrânia, Biden falou tão baixo que era quase impossível ouvir e disse que uma nova onda de ajuda era destinada a reconstruir a rede elétrica do país, o que não era verdade.
Mas quando chegou a hora do próprio discurso do presidente no Dia D, ele o fez com firmeza e clareza, ganhando impulso e terminando em uma nota vigorosa. Foi um lembrete de que, assim como durante o discurso do Estado da União no início do ano, ele frequentemente se destaca em grandes ocasiões e uma vez que pega o ritmo de um discurso, a adrenalina parece entrar em ação.
Depois de apenas alguns dias em casa, Biden deu meia-volta e voou de volta para a Europa, desta vez para a Itália para uma cúpula dos líderes do Grupo dos 7. Ao longo das reuniões, o padrão foi o mesmo, de acordo com autoridades seniores que estiveram presentes.
Perguntado se alguém poderia imaginar colocar Biden na mesma sala com o presidente Vladimir Putin da Rússia hoje, um ex-funcionário dos EUA que ajudou a preparar a viagem ficou em silêncio por um tempo, depois disse: “eu não sei.” Um ex-funcionário sênior europeu respondeu à mesma pergunta dizendo categoricamente: “não”.
Desde o debate, Biden tentou demonstrar que sua dificuldade em se expressar naquela noite não era indicativa de um problema maior. Ele fez um discurso robusto em um comício de campanha no dia seguinte e participou de uma série de angariações de fundos onde esperava tranquilizar doadores nervosos.
“Ele fez um discurso forte, não tropeçou ou murmurou ou parecia confuso de forma alguma”, disse Judith Hope, ex-presidente do Partido Democrata do Estado de Nova York, que participou de um evento com Biden no sábado, 29. “Ele estava sendo o velho Tio Joe de sempre”.
Hope atribuiu as dificuldades do presidente no debate à sua agenda exigente. “Você está ciente de onde ele esteve nos últimos sete dias?”, ela disse, elevando a voz. “Ele continua mantendo uma agenda que eu nunca poderia sonhar em fazer, que derrotaria totalmente uma pessoa mais jovem”, acrescentou. “Acho que precisamos rever nossas expectativas”.
Estadão