Papa encontra líder xiita no Iraque, que fala em paz aos cristãos em momento histórico

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No segundo dia de sua visita ao Iraque, neste sábado (6), o Papa Francisco voou antes de o sol nascer para a cidade sagrada de Najaf, onde entrou em um beco estreito para realizar um encontro histórico com o principal clérigo muçulmano xiita do Iraque, o grande aiatolá Ali Al-Sistani.

O episódio é simbólico não só porque é a primeira vez que um líder da Igreja Católica visita a nação de maioria muçulmana, mas porque um papa e um clérigo xiita sênior nunca tinham se reunido antes.

O compromisso é considerado uma tentativa de fortalecer o diálogo entre a Igreja Católica e o Islã. Em sua visita, Francisco procurou dar apoio aos cristãos no país de maioria xiita, exortou os líderes iraquianos a proteger todos os direitos das minorias e enviou uma mensagem de que ele próprio está de volta ao cenário global depois de um ano sem sair do Vaticano por causa da pandemia.

Ao final da conversa entre os líderes, que durou cerca de 1 hora e foi realizada a portas fechadas, Al-Sistani declarou seu compromisso com a paz e a segurança dos cristãos no país, onde eles devem viver como todos os iraquianos, “em paz e coexistência”.

Mais de 95% dos iraquianos são muçulmanos, enquanto apenas 1% se identifica com as diferentes vertentes do cristianismo.

O aiatolá, que aos 90 é uma das figuras mais influentes no islamismo xiita dentro e fora do país do Oriente Médio, apelou aos líderes religiosos mundiais para que a sabedoria e o bom senso prevaleçam sobre a guerra. O encontro aconteceu na casa que Al-Sistani aluga há décadas perto da mesquita de Imam Ali.

De Najaf, Francisco viajou para as ruínas de Ur, uma das civilizações mais antigas do mundo e onde os textos sagrados dizem que nasceu o profeta Abraão -considerado o patriarca das três principais religiões monoteístas do mundo: o cristianismo, o islamismo e o judaísmo.

Com o vento do deserto soprando em sua batina branca, o argentino sentou ao lado de líderes muçulmanos (xiitas e sunitas), cristãos e yazidis (pequena minoria perseguida pelo grupo terrorista Estado Islâmico), mas também de sabeus e zoroastristas –comunidades milenares no país.

O líder do Catolicismo falou à vista da escavação arqueológica da cidade de 4.000 anos. O evento inter-religioso também reforçou um tema importante de sua viagem ao Iraque -que o país sofreu muito. “Deste lugar, onde nasceu a fé, da terra de nosso pai Abraão, vamos afirmar que Deus é misericordioso e que a maior blasfêmia é profanar seu nome odiando nossos irmãos e irmãs”, disse Francisco.

“Hostilidade, extremismo e violência não nascem de um coração religioso: são traições da religião”, continuou o líder religioso. “Nós, fiéis, não podemos ficar calados quando o terrorismo abusa da religião.”

Nenhum representante judeu esteve presente no encontro -em 1947, um ano antes do nascimento de Israel, a comunidade judaica do Iraque era composta por cerca de 150 mil pessoas. Agora, os números são bem menores.

Um oficial da igreja local disse que representantes do judaísmo foram contatados e convidados, mas a situação para eles era “complicada”, especialmente porque eles não tinham uma comunidade estruturada.

De acordo com dados da Universidade Johns Hopkins, o Iraque vive hoje um de seus piores momentos da pandemia -e a principal preocupação é com o risco de que a visita do papa promova aglomerações e exponha a população iraquiana, que ainda não teve acesso aos imunizantes.

Os líderes religiosos, porém, aparecem sem máscara em vários momentos. Uma imagem do evento em Ur mostra o pontífice em pé, em frente aos convidados e ao lado das outras figuras religiosas, e ninguém usa a proteção facial. A mesma coisa no encontro com o aiatolá.

Em 4 de janeiro, a média móvel de novas infecções era de 834,4 ao dia. Dois meses depois, o número registrado foi de 4.233,1 -o que equivale a um aumento de mais de 407% nos casos confirmados da doença. Até este sábado, o país somava mais de 719 mil casos e 13.537 mortos.

No domingo (7), Francisco viaja para Arbil, capital do Curdistão, região parcialmente autônoma em relação ao governo central do Iraque.

Não está claro se as restrições impostas para a contenção do coronavírus serão devidamente respeitadas, já que o líder católico deve realizar uma missa em um estádio esportivo com capacidade para milhares de pessoas em sua última noite no país.

Francisco também tem compromissos marcados em Qaraqosh e em Mossul, esta última um antigo reduto do Estado Islâmico, onde igrejas e outros prédios ainda carregam cicatrizes dos conflitos entre diferentes grupos armados que ascenderam após o vácuo provocado pela queda do ditador Saddam Hussein, morto em 2006.

O fim da viagem papal está previsto para a manhã de segunda-feira (8), quando Francisco deve voltar a Roma.

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